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Comentário ao 20º Dom TC (AnoC)

Santo Ambrósio (c. 340-397),

Bispo de Milão, Doutor da Igreja

Comentário ao Evangelho de Lucas, 7, 134

 «Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão.

 A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três.» Em quase todas as passagens do Evangelho o sentido espiritual joga um papel importante; mas sobretudo nesta passagem, para que não seja rejeitada pela dureza de uma interpretação simplista, é preciso procurar na trama do sentido a profundidade espiritual. […] Como é que Ele próprio disse: «Dou-vos a minha paz, deixo-vos a minha paz» (Jo 14,27), se veio separar os pais dos filhos, os filhos dos pais, rompendo os laços que os unem? Como pode ser chamado «maldito o que trata com desprezo seu pai ou sua mãe» (Dt 27,16), e fervoroso o que os abandona?  
 
Se compreendermos que a religião vem em primeiro lugar e a piedade filial em segundo, esta questão fica esclarecida; com efeito, o humano tem de vir depois do divino.
 
Porque, se temos deveres para com os pais, quanto mais para com o Pai dos pais, a quem devemos estar reconhecidos pelos nossos pais! […] Ele não diz, portanto, que é preciso renunciar aos que amamos, mas que há que preferir Deus a todos.
 
 
Aliás, encontramos noutro livro: «Quem amar pai ou mãe mais do que a Mim não é digno de Mim» (Mt 10,37). Não te é interdito amares os teus pais, mas preferi-los a Deus. Porque as relações naturais são benefícios do Senhor, e ninguém deve amar os benefícios recebidos mais do que a Deus, que preserva os benefícios que dá.
 

 

Concílio Vaticano II

«Gaudium et Spes», § 78

«Dou-vos a minha paz» (Jo 14,27)

A paz não é ausência de guerra, nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica. Com toda a exatidão e propriedade, é chamada «obra da justiça» (Is 32,7). É um fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre anelantes por uma justiça mais perfeita. […] Por esta razão, a paz não se alcança duma vez para sempre, antes deve ser constantemente edificada. E, como a vontade humana é fraca e está ferida pelo pecado, a busca da paz exige o constante domínio das paixões de cada um e a vigilância da autoridade legítima. Mas tudo isto não basta. […] Absolutamente necessárias para a edificação da paz são ainda a vontade firme de respeitar a dignidade dos outros homens e povos, e a prática assídua da fraternidade. Assim, a paz é também fruto do amor, o qual vai além do que a justiça consegue alcançar.

A paz terrena, nascida do amor do próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo, que vem do Pai. Pois o próprio Filho encarnado, Príncipe da Paz, reconciliou com Deus, pela cruz, todos os homens; restabelecendo a unidade de todos num só povo e num só corpo, extinguiu o ódio e, exaltado na ressurreição, derramou nos corações o Espírito de amor. Todos os cristãos são, por isso, insistentemente chamados a, «praticando a verdade na caridade» (Ef 4,15), unir-se aos homens verdadeiramente pacíficos para implorar e edificar a paz. […]

Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo; mas, na medida em que, unidos em caridade, superam o pecado, superadas ficam também as lutas, até que se realize aquela palavra: «com as espadas forjarão arados e foices com as lanças; nenhum povo levantará a espada contra outro e não mais se exercitarão para a guerra» (Is 2,4).